A Ascendência de D. Francisco de Assis Velarde y Romero
Os Velardes de Santillana del Mar
Os Velardes são uma das mais antigas famílias das Astúrias. Como sempre sucede nestes casos, a sua origem perde-se no tempo e torna-se impossível definir qual a verdade histórica por trás das lendas e fantasias dos genealogistas.
A tradição genealógica diz que os Velardes descendem de Ugoberto Verardo, da Casa Real de França e irmão de um Imperador alemão. Um cavaleiro desta linhagem, chamado Sancho Velarde, terá ido para Espanha (ou, melhor, para o Reino das Astúrias) no início da Reconquista, e dele se conta que salvou uma filha do rei asturiano, a Infanta Eneca ou Iñiga, que tinha sido capturada por um chefe mouro chamado Serpe ou Sierpe (serpente, dragão). Como recompensa, o rei deu-lhe a Infanta em casamento, sendo essa a origem da legenda que forma a bordadura do brasão dos Velardes: "Velarde que la sierpe mató con la Infanta casó".
Lendas àparte, existem registos referentes a Velardes em Santillana del Mar desde 15 de Setembro de 1073, data em que surge pela primeira vez o nome da família numa escritura pública. A casa de Velarde é uma das quatro ilustres famílias de Santillana del Mar que tinham assento privilegiado na Colegiada, juntamente com os Barreda, Villa e Polanco.
Ainda existe em Santillana del Mar, para além do solar quinhentista cuja fotografia encima esta página, uma torre do século XV que foi uma das primitivas residências da família e que se reproduz a seguir.
Ao longo dos séculos, os Velardes provaram por variadíssimas vezes a sua nobreza e ocuparam lugares cimeiros na sociedade da época, tanto nas Astúrias como noutras regiões de Espanha para onde alguns ramos da família se deslocaram.
Vários enlaces matrimoniais com as famílias Cieza e Castañeda, de igual e antiga nobreza, aliados ao estabelecimento de vínculos e instituições semelhantes, originaram mesmo uma espécie de apelido composto, "Cieza Castañeda Velarde", que durante dois séculos se transmitiu unido nesta forma como se se tratasse de um apelido único.
A família Cieza é natural das Astúrias, da zona chamada as "Montanhas de Burgos", mais concretamente do Vale de Cieza de onde tomou o nome e que fica a uns 30 Km. de Santillana del Mar. Referidos sempre como fidalgos de linhagem antiga, contam-se dos Cieza grandes feitos de armas durante a Reconquista.
Os Cieza fizeram prova de antiga nobreza de sangue em 1515 perante a Real Chancelaria de Valladolid, e várias outras vezes desde então.
Quanto aos Castañeda, não são nem menos antigos nem menos nobres. Os genealogistas indicam como tronco da família o Conde Gutierre Rodriguez, que viveu em finais do século XI e foi o primeiro Senhor do Vale de Castañeda (que fica a c. 25 Km. de Cieza e a c. 20 Km. de Santillana del Mar) e era filho de Rodrigo Diaz, Duque das Astúrias e Conde de Oviedo, o qual era quinto neto do Rei D. Fruela II de Leão.
No Arquivo da Real Chancelaria de Valladolid existem trinta processos de comprovação de nobreza de sangue da família Castañeda, datando do século XVI ao XIX, e nesta família houve três Almirantes de Castela.
Devo fazer aqui uma referência especial ao mais famoso dos nossos primos espanhóis, o capitão de artilharia D. Pedro Velarde, o herói do 2 de Maio de 1808, que incentivou e conduziu, com o também capitão D. Luis Daoiz y Torres, a primeira revolta do povo de Madrid contra as tropas invasoras de Napoleão. Pedro Velarde acabou por morrer, durante uma resistência heróica a um cerco e após um dia intenso de combates e tiroteios, mas o seu exemplo despoletou uma revolta generalizada contra os invasores franceses na Península e de alguma forma contribuiu para o início da queda de Napoleão.
Os acontecimentos do 2 de Maio inspiraram dois dos mais famosos quadros de Goya, hoje no Museu do Prado: o "2 de mayo" e o "3 de mayo", este um dos mais impressionantes testemunhos pictóricos da violência e da brutalidade da guerra.
E para quem tenha interesse em saber um pouco mais sobre D. Pedro Velarde e as circunstâncias em que se deram os acontecimentos do 2 de Maio, sugiro a leitura de um livro fascinante de Arturo Pérez-Reverte, "Un Día de Cólera", que tem tradução portuguesa ("Um Dia de Cólera", Edições ASA, 2008). É uma descrição dos acontecimentos desse dia em forma romanceada, mas quase como uma reportagem jornalística, com escrupuloso respeito pela verdade histórica.
A título apenas de curiosidade, os dois leões que ladeiam a escadaria de entrada do parlamento espanhol, o Congreso de Madrid, são popularmente chamados "Daoiz" e "Velarde", em homenagem aos heróis do Dois de Maio.
E já que estamos em tom de gracejo, apetece-me contar que houve em 2012 uma pequena polémica a propósito desta estátua, por alguém ter reparado que a este leão faltam os testículos. A coisa chegou ao ponto de o Canal "Historia" ter lançado, com sucesso, uma campanha para a reposição dos apêndices em falta no bichinho... Esta campanha, que chegou a receber o prémio do Festival Iberoamericano de la Comunicación Publicitaria, motivou comunicados, desculpas e explicações da Câmara de Madrid e de outras instituições, que se justificavam com a perda dos moldes, com a terrível situação económica de Espanha na época em que as estátuas tinham sido feitas (e este é o terceiro par de leões encomendado para aquele local e função, datando de 1865) e com outras desculpas mais elaboradas que a própria importância da questão.
Finalmente, uma jornalista de Cádiz, mais culta e curiosa, investigou devidamente o problema e pôs a ridículo o Canal "Historia", a Câmara de Madrid e todos os outros intervenientes, esclarecendo que aquele leão não tinha, nunca tivera nem era suposto ter testículos, pela simples razão de ser, na verdade, uma leoa...
De facto, o escultor dos felinos, o espanhol Ponciano Ponzano, inspirou-se numa lenda da mitologia grega, a história de Atalanta e Hipómenes (ou Melanion, segundo outras fontes da antiguidade). Este parzinho, jovem e apaixonado, terá profanado o templo da deusa Cibeles (ou Ceres, para outros autores), a qual, como castigo, os transformou em animais e os condenou a nunca se poderem ver um ao outro, o que dá imenso jeito aos escultores que precisam de duas figuras olhando em direcções opostas, como é o caso. São estes mesmos Atalanta e Hipómenes que surgem como leões a puxar o carro da deusa Cibeles, na famosíssima estátua da Praça da Cibeles, em Madrid. Claro que, em boa verdade zoológica, as leoas não têm juba, mas isso estragava a simetria pretendida pelos escultores... Ou será uma leoa transgénero?
E está na altura de voltarmos a coisas sérias.
Genealogia
A falta (ou desaparecimento) dos livros paroquiais antigos das igrejas de Villayuso e Villasuso del Valle (Cieza) impede os genealogistas de estabelecer uma ligação segura entre os Velardes mais antigos de que se conhecem dados e os antepassados directos de D. Francisco de Assis Velarde y Romero (Belard). Assim, e embora indiscutivelmente as raízes da família cheguem, pelo menos, ao século XI, apenas a partir do século XVI é possível estabelecer com segurança a árvore genealógica, da seguinte forma:[1]
- D. Juan de Cieza Castañeda casou com D. Maria Saez Velarde e tiveram:
- D. Francisco de Cieza Castañeda Velarde, baptizado em 12/7/1570, o qual casou com D. Leonor de Cieza Velarde e tiveram:
- D. Toribio de Cieza Castañeda Velarde, o qual casou com D. Maria Gonzalez e tiveram:
- D. Toribio de Cieza Castañeda Velarde (II), o qual casou com D. Ana Gonzalez del Corral e tiveram:
- D. Juan de Cieza Castañeda Velarde, baptizado em Santiurde a 14/10/1672, o qual casou com D. Maria Fernandez e tiveram D. Manuel de Cieza Castañeda Velarde, n. 1684, D. Cristobal de Cieza Castañeda Velarde e:
- D. Juan Antonio de Cieza Castañeda Velarde, f. 13/11/1748, o qual casou com D. Clara Fernandez de Quijano, n. 1693 e f. 26/5/1760, filha de D. Marcos Fernandez de Quijano e de D. Josefa de Terán, e tiveram:
- D. Joaquin Antonio de Cieza Castañeda Velarde, n. Villayuso del Valle de Cieza a 10/12/1728, b. 2/1/1729 (foi seu padrinho o pároco D. Antonio Velarde, certamente da família), o qual se mudou para Puerto Real, na província de Cádiz, onde casou na Igreja de S. Sebastián a 26/6/1756 com D. Magdalena de Barcia, natural de Puerto Real, filha de D. Alberto de Barcia e de D. Maria Bernal Jimenez, e tiveram:
- D. Francisco Servando Velarde y Barcia, n. Puerto Real a 23/10/1766, b. igreja de Puerto Real a 27/10/1766, o qual casou nessa mesma igreja de Puerto Real com D. Margarita Romero, filha de D. Miguel Romero e de D. Inés Ascencia, e tiveram:
- D. Joaquina Maria Josefa Ignacia de la Santisima Trinidad Velarde y Romero (1818-?), de quem descende o ramo Mantero,
- D. Francisco de Assis Velarde y Romero (Belard) (1823-1892), o primeiro Belard português e do qual descendem todos os Belards referidos neste site.
e
[1] A minha construção da ascendência de D. Francisco de Assis Velarde y Romero difere um pouco da apresentada pelo Dr. Jorge Forjaz na obra "Genealogias de São Tomé e Príncipe - Subsídios", 2011. A nossa fonte é a mesma, contudo: ele refere uma "carta de brasão de armas concedida a D. Laura Mantero Belard", eu tenho uma transcrição de uma "Certificación de genealogia, nobleza y armas a favor del Señor Don Antonio de Mantero Belard Velarde de Albuquerque y Castro", elaborada em 1927 por Don Félix de Rújula Martin Crespo Busel y Quirós, "Decano de los Cronistas Reyes de Armas de S.M.", portanto um documento oficial elaborado em Espanha ainda durante o reinado de Alfonso XIII, e que suponho seja o mesmo documento a que se refere o Dr. Jorge Forjaz. As divergências devem-se possivelmente a formas diferentes de interpretar as informações aí contidas.
[2] O ramo Mantero veio entroncar novamente nos Belard com o casamento de D. Francisco de Asis Diego José Maria del Rosário Mantero y Velarde (1853-1928), filho de D. Joaquina Maria Josefa Ignacia de la Santisima Trinidad Velarde y Romero (1818-?), com sua prima D. Maria Amélia Muller Belard (1870-1952), filha do 2º casamento de D. Francisco de Assis Velarde y Romero (Belard) (1823-1892), irmão de D. Joaquina Velarde y Romero.