A origem do apelido Belard


Documento de c. 1820 sobre a concessão de uma bolsa de estudos universitária

Documento de c. 1820 sobre a concessão de uma bolsa de estudos universitária. Note-se que o apelido de D. Maria Velarde está escrito "Belarde", e na linha seguinte refere-se o "Colegio de los Belardes", que era uma instituição particular para apoio a membros da família Velarde que estudassem na Universidade de Valladolid


Em Portugal, o apelido Belard deriva indiscutivelmente do espanhol Velarde, e parece claro que a primeira pessoa que usou o apelido Belard em Portugal foi D. Francisco de Assis Velarde y Romero (Belard) (1823-1892).

Todos os seus descendentes usaram o apelido com a grafia Belard, e não Velarde.

Um caso curioso foi o do Dr. António Mantero Belard de Albuquerque e Castro (1889-1952), que usava como nome completo António Belard Velarde de Albuquerque e Castro de Mantero, ou António de Mantero Belard Velarde de Albuquerque e Castro, e é o único caso que conheço de alguém que tenha simultaneamente usado Belard e Velarde, a que tinha direito uma vez que era Belard por parte da mãe, D. Maria Amélia Muller Belard (1870-1952), e Velarde por parte do pai, ou mais especificamente da avó paterna, D. Joaquina Maria Josefa Ignacia de la Santisima Trinidad Velarde y Romero (1818-?).

Mas o apelido Belard não surge com D. Francisco de Assis Velarde y Romero. Em Espanha, os valores fonéticos do "B" e do "V" são muito próximos, e até ao século XX, tal como em Portugal, a ortografia não estava rigidamente fixada, daí que em certas regiões de Espanha as grafias Velarde ou Belarde parecem ter sido ambas possíveis para o mesmo apelido, como se pode ver na imagem que encima esta página, de um documento de c. 1820 sobre a concessão de uma bolsa de estudos universitária no Colégio dos Velardes em Valladolid.

Sobre o assunto parece-me apropriado transcrever parte de um e-mail que me foi enviado pelo meu tio Dr. Francisco de Assis Garrido Belard da Fonseca:

"Sobre o Velarde continuo sem saber bem. Alguns indícios levam-me a crer que é do Norte de Espanha (e em castelhano o V é lido como B; daí que em castelhano escrevam País Vasco ao que em português e francês deu Basco e Basque), regiões das Astúrias (Castela marítima - hoje «Cantábria», onde fica Santillana del Mar) e País Basco. O basco falou-se na Idade Média numa área muito maior que a actual, e os apelidos resistem mesmo quando a língua de origem deixou de se usar no local. Velarde passar a Belarde seria natural sob o influxo do castelhano; sair o E pode ser um afrancesamento. Na França do século XX, como verifiquei em listas telefónicas de mais do que uma cidade, ocorrem Belard e Bélard. Seriam a mesma família? Duvido, pois são muitos. Mas uma parte deles pode ter sido aparentada com os Velardes e Belard da nossa família. Não me parece lógico que o Belard francês se tenha transformado em Espanha em Velarde, o contrário é mais plausível. Mais provável parece-me que um apelido de origem basca (eventualmente usado em algumas - ou até só numa - famílias do Norte de Espanha e sabe-se lá se no SW de França, país basco francês e arredores) se tenha espalhado e depois adoptado formas diferentes conforme a língua hegemónica: Belard, Velarde... Em basco (do qual há vários dialectos, a normalização é muito recente), parece haver uma palavra próxima a Velarde ou Belard, que significa «prado», ou «campo relvado» ou coisa semelhante. Que Velardes tenham afrancesado o nome, talvez no século XIX, também é possível. Haverá Belard(s) em Espanha? Nunca dei por isso. Há porém o apelido Velarde na América hispânica, obviamente ido da Península e do Norte desta. [...] Nos séculos passados não havia registo civil e os apelidos oscilavam mais do que a partir daquele."

E qual terá sido, então, a origem do apelido Velarde? Não tem, claramente, uma origem toponímica, como uma grande parte dos apelidos medievais. Não se conhece nenhuma povoação ou domínio de nome Velarde, nem em Espanha, nem em França. Também não parece derivar de uma alcunha; pelo menos não corresponde a nenhum termo identificável em latim, castelhano ou francês, mesmo nas suas formas medievais. Fica a hipótese do basco, mas não deixa de ser uma hipótese remota.

A tradição genealógica diz que os Velardes descendem de Ugoberto Verardo, da Casa Real de França e irmão de um Imperador alemão. Um cavaleiro desta linhagem, chamado Sancho Velarde, terá ido para Espanha (ou, melhor, para o Reino das Astúrias) no início da Reconquista (v. neste site A Ascendência de D. Francisco de Assis Velarde y Romero). Está documentada a existência de uma família Velarde em Santillana del Mar desde 1073.

Pelo menos desde o século XVI conhecem-se Belards em França, onde o apelido é normalmente escrito com acento no E ("Bélard") e por vezes com dois LL ("Bellard")[1]. Não sei a sua origem, mas possivelmente não terão nada a ver connosco (há quem diga que o apelido será aí uma forma de "Berard", derivado dos termos germânicos ou escandinavos "Behr hardt", com o significado de "forte como um javali", ou algo semelhante...). Pode, por outro lado, ser uma evolução fonética independente do apelido "Verardo", do tal Ugoberto Verardo, ou pode ter origem em algum ramo dos Velardes asturianos que tenha migrado para França em tempos muito remotos, uma vez que as grafias "Velarde" e "Belard" foram, como já referi, usadas indiferentemente para o mesmo apelido. Não existe é, tanto quanto sei, qualquer parentesco próximo e identificável dos Belard franceses com os Belard portugueses.

Uma hipótese aliciante seria considerar que o apelido nasceu, de facto, de uma alcunha (o tal "Behr hardt"), que se teria tornado no "Berard" ou "Verard" de Ugoberto Verardo, tendo depois duas evoluções independentes: em França originaria os Bélard e Bellard, e em Espanha, a partir do Sancho Velarde, os Velarde (escrito assim ou como Belarde). Por mim, e até que surjam mais elementos, esta explicação satisfaz-me.

Mas independentemente do facto de o apelido existir com ambas as grafias, o que terá levado concretamente D. Francisco de Assis Velarde y Romero a passar a assinar "Belard"?

A tradição familiar conta que as mesmas razões políticas que o levaram a ir para São Tomé terão também justificado a alteração da forma de assinar o seu nome. Se D. Francisco Velarde foi, como suponho, um liberal, o "afrancesamento" do apelido teria toda a razão de ser na década de 1840, numa Espanha ainda em grande parte influenciada pelo pensamento conservador e autocrático, face à França burguesa e liberal de Luís Filipe de Orléans.

Mas a alteração na grafia do nome pode simplesmente ter-se ficado a dever a uma questão de gosto, ou representar uma adaptação à língua portuguesa da forma como D. Francisco Velarde dizia o seu nome: "Velarde", em português, é pronunciado com o "e" fechado, mas em espanhol o "e" é aberto, tal como em Belard (pronunciado "Bélard"). Possivelmente "Belard" soaria a D. Francisco Velarde mais como ele próprio dizia o seu nome, o que o poderá ter levado a adoptar uma grafia "fonética" do apelido. Mas isto são apenas especulações...





[1] Há também Belards e Bellards nos Estados Unidos, que suponho sejam na sua maioria descendentes de Belards franceses, particularmente porque há registos de Belards americanos desde o século XVIII na região "cajun", de influência histórica e linguística claramente francesa - pense-se na Louisiana e em Nova Orléans, por exemplo... Um caso curioso pode ser visto aqui:

Descendência do acadiano Antoine Bellard (c. 1739-1805)